quinta-feira, 19 de junho de 2025

A presença transformadora dos povos indígenas na UEMS

A Universidade reserva 10% de vagas para indígenas em todos os cursos

A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul  (UEMS) foi a primeira universidade brasileira a ter reserva de 10% de vagas para indígenas em todos os cursos, desde 2002. Atualmente ela reserva em seus processos seletivos o total de 45% das vagas para cotistas.

Em 2024, a Instituição tinha 8093 matriculados/as nos cursos de graduação presenciais e a distância, desse total 615 indígenas matriculados nos cursos da UEMS, no presencial 570 e a distância pelo sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB) são 45, segundo dados da Diretoria de Registro Acadêmico.

Um destaque é que Mato Grosso do Sul é o único Estado que conta com uma Lei que garante o acesso dos/as indígenas à educação pública superior. Diversas universidades incentivam, por meio de cotas, o acesso desses estudantes a cursos específicos, mas no Brasil, apenas a UEMS reserva 10% de todas as suas vagas de graduação para indígenas. Esse sistema de acesso à universidade – por cotas – é considerado um avanço para muitos especialistas.  

A UEMS tem se preocupado com a permanência do público-alvo das cotas, por meio da oferta de Bolsas e Auxílios de recorte universal, e também específico como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Ações Afirmativas (PIBIC-AAF). 

Presença transformadora

A presença indígena mobilizou a universidade para incluir nos currículos as temáticas indígenas, e, hoje em vários cursos, especialmente, nas licenciaturas são utilizadas autorias produzidas por indígenas nas bibliografias.

“Essa presença é transformadora, ela é uma presença que coloca a universidade pra olhar para si mesma e para avançar, em diálogo com esses povos, com essas populações, com esses segmentos que de outra forma das cotas adentrariam a universidade, mas não de forma coletiva como eles entram, entrariam de forma individualizada em alguns cursos. Enfim, as cotas promovem exatamente isso, que eles estejam presentes em todos os cursos. Hoje é muito difícil ter curso com nenhum estudante indígena e isso é fundamental, já que eles tiveram poucas oportunidades de estudo ao longo do processo educacional e histórico vivido. Era um estudo para homogeneizar o conhecimento, para o apagamento da língua, para eles deixarem “de serem indígenas”, para serem “civilizados”, então esse discurso ainda é muito presente e eles demonstram que a presença deles é efetiva, que é uma presença diferenciada, com conhecimentos e saberes diferenciados, com práticas outras que nós temos que, de alguma maneira, estar atentos e trazer para dentro das práticas da universidade”, ressaltou a Drª. Beatriz Landa.

Por meio de iniciativas da gestão e também do programa Rede de Saberes, o acolhimento dos acadêmicos é feito em um espaço destinado para eles (com estrutura de laboratório de informática, reuniões entre outras) em cinco Unidades da UEMS: Dourados, Campo Grande, Aquidauana, Jardim e Naviraí. O Rede de Saberes, criado em 2007 na UEMS, atualmente está vinculado ao Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Rede de Saberes Indígenas (CEPERSI).

A UEMS é protagonista no país na criação do primeiro Curso de Pedagogia Intercultural (Licenciatura), ofertado na Unidade da UEMS em Amambai. Este curso foi o primeiro no MS com essa nomenclatura, ele foi criado pela UEMS e aprovado no sistema do Ministério da Educação. Essa graduação foi primeiramente ofertada para professores guarani e kaiowá que estejam atuando nas escolas municipais de Amambai e Caarapó, atualmente, são 40 alunos matriculados em Amambai.

“Além das atividades desenvolvidas na Universidade, o curso também realiza ações propostas pelos professores, visando aprofundar os conhecimentos e promover um contato direto com as comunidades indígenas, dialogando os saberes ocidentais que a Universidade oferece com os saberes indígenas que os próprios acadêmicos trazem para dentro da Instituição de Ensino Superior.”

A UEMS tem também outros três novos cursos voltados à população indígena do Estado de Mato Grosso do Sul: o curso de Agroecologia Intercultural para os Povos Indígenas do Pantanal (bacharelado) na Unidade Universitária de Aquidauana; o curso de Agroecologia Intercultural (tecnológico) e segunda licenciatura em Pedagogia Intercultural Indígena ambos para Amambai.   Os cursos são ofertados em convênio com o governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas. 

“Os quatro novos cursos são provenientes das demandas das comunidades, dos movimentos sociais, de professores indígenas e de movimentos como o Aty Guasu, a Kunhangué Aty Guasu e a Ação de Jovens Indígenas (AJI). A partir dessas demandas, que foram sendo apresentadas ao longo do tempo por esses movimentos, foi possível moldar o que viriam a se tornar esses novos cursos. Esses cursos se propõem a isso: estar em constante diálogo com as comunidades indígenas”, destaca Beatriz Landa.

A presença transformadora dos povos indígenas na UEMS


A UEMS mudando vidas

Tonico Benitez nasceu em 1977 numa pequena aldeia indígena no interior de MS, lá só havia possibilidade de estudos até o 5ª ano, já que a cidade mais próxima era longe para continuar os estudos, ele e seus irmãos, assim como a maioria da comunidade parava de estudar. Suas opções eram fazer trabalhos braçais em fazendas, corte de cana ou ajudar na agricultura da família. 

Mas aos 21 anos ele se desafiou a mudar sua realidade, voltou a estudar, fez supletivo e concluiu o ensino fundamental e médio, começou a dar aula na sua aldeia para as crianças e surgiu uma oportunidade, de cursar normal superior na UEMS, aí foi o ponto de virada, após concluir o curso, ele ingressou no mestrado na UFRJ, lá também fez o doutorado e o pós-doutorado, sendo uma parte cursado na universidade de Sorbonne na França. Atualmente é coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI – de Ponta Porã – MS.

A trajetória no Normal Superior, na UEMS, permitiu que ele se transformasse em pesquisador. “Nunca mais retornei como era antes, eu me tornei um pesquisador. Abriu para mim o leque de pesquisar outra área também, por isso fui para área de antropologia no mestrado, mas, ao mesmo tempo, sempre pesquisando educação escolar”.  

A presença transformadora dos povos indígenas na UEMS

O curso na UEMS possibilitou com que ele iniciasse discussões sobre educação escolar indígena e intercultural, os professores o ajudavam a refletir sobre a temática e ele levava o tema para conferências e seminários.

“Sou filho da UEMS, por onde ando carrego o nome da Universidade. Ela faz parte da minha trajetória acadêmica”. Sua filha faz Letras Inglês na UEMS e por conta da história de Tônico a UEMS se tornou referência para outros indígenas

 Indígenas na UEMS

Em 2002, a UEMS ofereceu o primeiro curso específico para indígenas: Curso Normal Superior Indígena com turmas em Aquidauana, para Terena, e em Amambai, para Guarani e Kaiowá. A partir daí começou a participação efetiva de lideranças indígenas dentro da UEMS, em busca de outras ofertas. Em 2003, com a criação das cotas para indígenas em todos os seus cursos, garantindo 10% das vagas, que vigora até hoje, intensificou-se a participação em eventos, comissões e outras atividades realizadas pelo laboratório Rede de Saberes indígenas, conquistado com recursos da Fundação Ford, por conta do protagonismo da UEMS no assunto.

A presença de diferentes etnias Guarani, Kaiowá, Terena, KinikiNau, Kadiwéu, Atikum, Baré, Chipaya, tanto do Mato Grosso do Sul quanto de outros estados transformam a pesquisa, o ensino e a extensão na universidade. A docente Beatriz Landa ressalta que na pesquisa mudaram as temáticas abordadas, pois os/as indígenas trazem para o interior da universidade, os seus conhecimentos, os seus saberes e as demandas das suas comunidades, que se não fosse essa presença, em geral, as universidades teriam mais dificuldade de perceber.

Na extensão universitária, a UEMS chega mais longe em vários territórios indígenas, sejam estes em contextos urbanos ou em reservas e territórios, de áreas demarcadas, em processo de demarcação, em processos de retomada, que faz com que esses coletivos indígenas tragam para dentro da universidade também essas demandas.

A presença transformadora dos povos indígenas na UEMS

Na área do ensino também mobiliza, pois evidencia a questão do preconceito contra os povos indígenas. “Então essa presença coloca em evidência, situações muitas vezes bastante graves e que devem ser resolvidas pela universidade. Também coloca o modelo de avaliação mais tradicional em cheque, não que não avalie ou que ‘passe a mão pela cabeça’, mas avaliações que incorporem também a oralidade, as formas étnicas de linguagens, as outras formas de se fazer, de se produzir conhecimento”, destaca.

Por: Eduarda Rosa e Wender Carbonari

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