A Universidade reserva 10% de vagas para indígenas em todos os cursos
A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) foi a primeira universidade brasileira a ter reserva de 10% de vagas para indígenas em todos os cursos, desde 2002. Atualmente ela reserva em seus processos seletivos o total de 45% das vagas para cotistas.
Em 2024, a Instituição tinha 8093 matriculados/as nos cursos de graduação presenciais e a distância, desse total 615 indígenas matriculados nos cursos da UEMS, no presencial 570 e a distância pelo sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB) são 45, segundo dados da Diretoria de Registro Acadêmico.
Um destaque é que Mato Grosso do Sul é o único Estado que conta com uma Lei que garante o acesso dos/as indígenas à educação pública superior. Diversas universidades incentivam, por meio de cotas, o acesso desses estudantes a cursos específicos, mas no Brasil, apenas a UEMS reserva 10% de todas as suas vagas de graduação para indígenas. Esse sistema de acesso à universidade – por cotas – é considerado um avanço para muitos especialistas.
A UEMS tem se preocupado com a permanência do público-alvo das cotas, por meio da oferta de Bolsas e Auxílios de recorte universal, e também específico como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Ações Afirmativas (PIBIC-AAF).
Presença transformadora
A presença indígena mobilizou a universidade para incluir nos currículos as temáticas indígenas, e, hoje em vários cursos, especialmente, nas licenciaturas são utilizadas autorias produzidas por indígenas nas bibliografias.
“Essa presença é transformadora, ela é uma presença que coloca a universidade pra olhar para si mesma e para avançar, em diálogo com esses povos, com essas populações, com esses segmentos que de outra forma das cotas adentrariam a universidade, mas não de forma coletiva como eles entram, entrariam de forma individualizada em alguns cursos. Enfim, as cotas promovem exatamente isso, que eles estejam presentes em todos os cursos. Hoje é muito difícil ter curso com nenhum estudante indígena e isso é fundamental, já que eles tiveram poucas oportunidades de estudo ao longo do processo educacional e histórico vivido. Era um estudo para homogeneizar o conhecimento, para o apagamento da língua, para eles deixarem “de serem indígenas”, para serem “civilizados”, então esse discurso ainda é muito presente e eles demonstram que a presença deles é efetiva, que é uma presença diferenciada, com conhecimentos e saberes diferenciados, com práticas outras que nós temos que, de alguma maneira, estar atentos e trazer para dentro das práticas da universidade”, ressaltou a Drª. Beatriz Landa.
Por meio de iniciativas da gestão e também do programa Rede de Saberes, o acolhimento dos acadêmicos é feito em um espaço destinado para eles (com estrutura de laboratório de informática, reuniões entre outras) em cinco Unidades da UEMS: Dourados, Campo Grande, Aquidauana, Jardim e Naviraí. O Rede de Saberes, criado em 2007 na UEMS, atualmente está vinculado ao Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Rede de Saberes Indígenas (CEPERSI).
A UEMS é protagonista no país na criação do primeiro Curso de Pedagogia Intercultural (Licenciatura), ofertado na Unidade da UEMS em Amambai. Este curso foi o primeiro no MS com essa nomenclatura, ele foi criado pela UEMS e aprovado no sistema do Ministério da Educação. Essa graduação foi primeiramente ofertada para professores guarani e kaiowá que estejam atuando nas escolas municipais de Amambai e Caarapó, atualmente, são 40 alunos matriculados em Amambai.
“Além das atividades desenvolvidas na Universidade, o curso também realiza ações propostas pelos professores, visando aprofundar os conhecimentos e promover um contato direto com as comunidades indígenas, dialogando os saberes ocidentais que a Universidade oferece com os saberes indígenas que os próprios acadêmicos trazem para dentro da Instituição de Ensino Superior.”
A UEMS tem também outros três novos cursos voltados à população indígena do Estado de Mato Grosso do Sul: o curso de Agroecologia Intercultural para os Povos Indígenas do Pantanal (bacharelado) na Unidade Universitária de Aquidauana; o curso de Agroecologia Intercultural (tecnológico) e segunda licenciatura em Pedagogia Intercultural Indígena ambos para Amambai. Os cursos são ofertados em convênio com o governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas.
“Os quatro novos cursos são provenientes das demandas das comunidades, dos movimentos sociais, de professores indígenas e de movimentos como o Aty Guasu, a Kunhangué Aty Guasu e a Ação de Jovens Indígenas (AJI). A partir dessas demandas, que foram sendo apresentadas ao longo do tempo por esses movimentos, foi possível moldar o que viriam a se tornar esses novos cursos. Esses cursos se propõem a isso: estar em constante diálogo com as comunidades indígenas”, destaca Beatriz Landa.

A UEMS mudando vidas
Tonico Benitez nasceu em 1977 numa pequena aldeia indígena no interior de MS, lá só havia possibilidade de estudos até o 5ª ano, já que a cidade mais próxima era longe para continuar os estudos, ele e seus irmãos, assim como a maioria da comunidade parava de estudar. Suas opções eram fazer trabalhos braçais em fazendas, corte de cana ou ajudar na agricultura da família.
Mas aos 21 anos ele se desafiou a mudar sua realidade, voltou a estudar, fez supletivo e concluiu o ensino fundamental e médio, começou a dar aula na sua aldeia para as crianças e surgiu uma oportunidade, de cursar normal superior na UEMS, aí foi o ponto de virada, após concluir o curso, ele ingressou no mestrado na UFRJ, lá também fez o doutorado e o pós-doutorado, sendo uma parte cursado na universidade de Sorbonne na França. Atualmente é coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI – de Ponta Porã – MS.
A trajetória no Normal Superior, na UEMS, permitiu que ele se transformasse em pesquisador. “Nunca mais retornei como era antes, eu me tornei um pesquisador. Abriu para mim o leque de pesquisar outra área também, por isso fui para área de antropologia no mestrado, mas, ao mesmo tempo, sempre pesquisando educação escolar”.

O curso na UEMS possibilitou com que ele iniciasse discussões sobre educação escolar indígena e intercultural, os professores o ajudavam a refletir sobre a temática e ele levava o tema para conferências e seminários.
“Sou filho da UEMS, por onde ando carrego o nome da Universidade. Ela faz parte da minha trajetória acadêmica”. Sua filha faz Letras Inglês na UEMS e por conta da história de Tônico a UEMS se tornou referência para outros indígenas
Indígenas na UEMS
Em 2002, a UEMS ofereceu o primeiro curso específico para indígenas: Curso Normal Superior Indígena com turmas em Aquidauana, para Terena, e em Amambai, para Guarani e Kaiowá. A partir daí começou a participação efetiva de lideranças indígenas dentro da UEMS, em busca de outras ofertas. Em 2003, com a criação das cotas para indígenas em todos os seus cursos, garantindo 10% das vagas, que vigora até hoje, intensificou-se a participação em eventos, comissões e outras atividades realizadas pelo laboratório Rede de Saberes indígenas, conquistado com recursos da Fundação Ford, por conta do protagonismo da UEMS no assunto.
A presença de diferentes etnias Guarani, Kaiowá, Terena, KinikiNau, Kadiwéu, Atikum, Baré, Chipaya, tanto do Mato Grosso do Sul quanto de outros estados transformam a pesquisa, o ensino e a extensão na universidade. A docente Beatriz Landa ressalta que na pesquisa mudaram as temáticas abordadas, pois os/as indígenas trazem para o interior da universidade, os seus conhecimentos, os seus saberes e as demandas das suas comunidades, que se não fosse essa presença, em geral, as universidades teriam mais dificuldade de perceber.
Na extensão universitária, a UEMS chega mais longe em vários territórios indígenas, sejam estes em contextos urbanos ou em reservas e territórios, de áreas demarcadas, em processo de demarcação, em processos de retomada, que faz com que esses coletivos indígenas tragam para dentro da universidade também essas demandas.

Na área do ensino também mobiliza, pois evidencia a questão do preconceito contra os povos indígenas. “Então essa presença coloca em evidência, situações muitas vezes bastante graves e que devem ser resolvidas pela universidade. Também coloca o modelo de avaliação mais tradicional em cheque, não que não avalie ou que ‘passe a mão pela cabeça’, mas avaliações que incorporem também a oralidade, as formas étnicas de linguagens, as outras formas de se fazer, de se produzir conhecimento”, destaca.
Por: Eduarda Rosa e Wender Carbonari