sábado, 18 de outubro de 2025

O plano para o feriado

Era uma noite fresca da primeira semana de outubro e dois casais conversavam animadamente em uma pizzaria enquanto seus filhos – um filho de cada casal – brincavam no “espaço kids” daquele estabelecimento.

_ E aí, Fabiana, vocês estão planejando alguma coisa para este Dia das Crianças? – perguntou Cristina.

_ Ah, o Arthur sempre espera ganhar um presentinho. Devo comprar mais uma caixa de algum Lego que ele ainda não tenha, ou mais algum super-herói para a coleção dele. E acho que vamos passar o dia em casa mesmo. E vocês?

_ Nós não costumamos dar presentes, não. Preferimos usar o dinheiro para fazer um passeio em família com o Pedro. Estamos decidindo se vamos visitar meus pais na roça ou se vamos passar o dia num parque aquático. Eu gosto de piscina, mas nessa data está tudo tão cheio, não é mesmo?

_ Verdade, Cristina. Fica tudo lotado mesmo. Eu detesto lugar cheio. Além de não ser confortável, ainda morro de medo de perder meu filho no meio da multidão.

_ Pois é. Imagina quem tem mais de um filho? Como faz pra vigiar dois, três filhos ao mesmo tempo? Eu não conseguiria nem sair de casa. Eu ficaria louca, com certeza!

_ Vocês pensam em ter mais filhos? – perguntou Fabiana.

_ Ah… eu penso que sim, depois penso que não… mas acho que seria bom ter outro filho, sim.

_ Eu também quero ter outro filho. Faz tempo que estou cobrando isso do Paulo.

​Neste exato momento, Pedro passava pela mesa de seus pais para ir ao banheiro e escutou fragmentos da conversa.

​“O quê?? Minha mãe está pensando em ter outro filho??? Como assim???”

​Pedro retornou triste ao parquinho. Ficou sentado, cabisbaixo, já não queria mais brincar. Arthur, o filho do outro casal, veio conversar com ele para entender o que estava acontecendo.

_ O que foi, Pedro? Por que você não quer mais brincar? Aconteceu alguma coisa? Você voltou tão estranho!

_ Nada, não. Só estou cansado. Pode brincar. Não espere por mim.

_ Ah, Pedro, como assim? Não tem graça brincar sem você. ou você me conta o que está acontecendo ou eu vou chamar sua mãe.

_ Não!!! Não chama minha mãe! Por favor! Ela já está chateada comigo. Se você chamar, vai piorar tudo!

_ Ela está chateada com você? Mas por quê? O que foi que você fez?

_ O pior é isso: eu não fiz nada. Não me lembro de ter feito nada. Estou me comportando super bem esses dias.

_ Mas como você sabe que ela está chateada, então? O que ela te disse?

_ Pra mim ela não disse nada. Mas ouvi ela falando com a sua mãe agora lá na mesa que ela quer outro filho. E que está pensando em me levar pra fazenda ou me abandonar num parque aquático… algo assim. Cara, como ela pode ser tão sem coração??? Como fui me enganar tanto esses anos todos??? Eu jurava que minha mãe gostava de mim.

_ Cara, que loucura! Você tem certeza que foi isso que ela falou, Pedro?

_ Eu tenho, Arthur. E fica esperto, porque sua mãe também disse que está pensando em ter outro filho ou não. Então você se comporte, pois o próximo filho abandonado pode ser você.

_ Não!!! A minha mãe não faria isso. Você só pode estar de brincadeira. Ou você está brincando ou está mentindo. Minha mãe nunca faria isso comigo. Nunca!!!

_ Ah, é? Então vai lá perto da mesa pra você ver se consegue ouvir o que eles estão conversando. Ou se tiver coragem, pergunte logo de uma vez.

_ Mas… se eles estiverem mesmo pensando em nos abandonar e nos substituir por outro filho, não sei se teriam coragem de nos contar.

_ É verdade… você tem razão. A gente precisa pensar num plano pra eles mudarem de ideia e nos querer novamente como filhos. Me ajuda, cara! Vamos pensar em alguma coisa!!!

​Os dois amigos se abraçaram tentando se consolar.

​Na volta pra casa, reinava no carro um silêncio absoluto.

_ Pedro, tudo bem, meu filho?

_ Uhum.

_ Você brincou muito? Está com sono? Nunca te vi calado assim. Você e o Arthur brigaram?

_ Não. Não foi nada não. Só estou cansado.

​Ao chegar em casa, Pedro foi trocar de roupa, colocou seu pijama, escovou os dentes e, quando estava chegando perto do quarto de seus pais para dar boa noite, escutou uma conversa entre eles:

_ Querida, aquilo que você disse sobre ter outro filho é mesmo verdade?

_ Claro que sim, amor! Estou mais do que certa disso.

_ Mas, e o Pedro? O que será que ele vai achar dessa novidade? Será que ele está preparado?

_ Se não ainda não está, vai ter que se acostumar. Vai ser bom pra ele. Ele anda muito individualista, só pensa nele.

​Pedro ouvia a tudo parado atrás da porta. As lágrimas escorriam por seus olhos. “Então esse é o motivo de quererem me trocar por outro filho? Eu sou individualista? E por acaso eles estão agindo de forma correta? Ao invés de me ensinarem vão simplesmente me descartar e me trocar por outro? Não acredito nisso. Só pode ser um pesadelo!!!”

​Pedro foi para o seu quarto sem se despedir de seus pais. Chorou por muito tempo em seu travesseiro, até que dormiu de exaustão. No outro dia, na mesa do café da manhã, os pais estavam tão ocupados que não perceberam os olhos inchados do filho, de tanto chorar.

​Ao levar o filho para a escola, a mãe nem imaginava que dentro da mochila, no lugar do material escolar, Pedro levava suas roupas e itens de higiene pessoal. No quarto de sua mãe, em cima do travesseiro, ele tinha deixado um bilhete de despedida.

​“Queridos papai e mamãe,

​Quando vocês lerem esse bilhete eu já estarei longe.

Não sei o que foi que eu fiz de tão cruel para vocês resolverem que eu não sirvo mais para ser filho de vocês.

​Sei que sou difícil às vezes, mas me abandonar e colocar outro filho no lugar, como se eu fosse um objeto estragado… não! Isso eu nunca esperaria de vocês.

​Mas para poupá-los desse trabalho, eu vou embora primeiro. Não precisam mais se preocupar em se livrar de mim.

​Obrigado por tudo. Me desculpem por ser um filho tão ruim.

​Eu amo vocês.

​Assinado: Pedro.”

​A mãe de Pedro só voltaria pra casa no horário do almoço, e se o plano dele desse certo, ele realmente já estaria longe quando ela lesse o bilhete. Seu plano era: fingir que entrava na escola, enrolar conversando no portão e fugir assim que ela virasse a esquina. Depois disso seguiria rumo ao posto de gasolina mais próximo e pediria carona ao primeiro caminhoneiro que passasse. Daí em seguida, o acaso decidiria seu destino.

​Mas quis o destino que aquele dia fosse o dia em que dona Odete, a diarista, iria limpar a casa. Ela chegou poucos minutos depois deles saírem para o trabalho. Começou arrumando os quartos e logo encontrou o bilhete na cama de Cristina. Como era curiosa, não aguentou e leu o que Pedro tinha escrito. Apavorada, ligou imediatamente para o celular de Cristina, que havia deixado o filho na escola e percebeu que precisava abastecer o carro antes de seguir para o trabalho.

​Assim, quando acabou de receber o telefonema de dona Odete, Cristina quis sair correndo do posto, mas estava presa na fila do abastecimento. Tinha carros na frente, ao lado e atrás dela.

​Cristina saiu do carro para tentar achar uma solução, quando de repente, avistou Pedro chegando no posto. Ele tentou correr, mas ela foi mais rápida e o agarrou pelo casaco.

_ Que história é essa de fugir, menino? Você quer me deixar louca???

_ Eu quero te deixar louca??? Você quer me trocar por outro filho!!! Eu ouvi você dizendo pro papai e pra Fabiana!!!

_ Como assim, meu filho? Eu não disse isso! Eu nunca disse que ia te trocar por ninguém!

_ Disse sim, mãe. Eu ouvi muito bem. Você disse para a Fabiana ontem na pizzaria: “Não vejo a hora de ter outro filho…” E ainda disse que estava pensando se ia me abandonar na fazenda ou no parque aquático. Você ainda vai negar??? Eu ouvi tudo!!!

_ Meu filho!!!!! – Cristina finalmente entendeu a confusão e desatou a gargalhar.

_ E você ainda acha graça, mãe??? Você é ainda mais cruel do que eu imaginava!!

_ Meu filho!!!! – disse Cristina tentando recuperar o fôlego e segurar o riso – não era isso que eu estava dizendo. Eu quero outro filho, sim. Mas não um filho para substituir você. Eu quero um filho para fazer companhia para você. Para AUMENTAR nossa família. Eu quis dizer que eu quero MAIS UM FILHO. Quero ter você e mais um ou mais uns filhos. Eu nunca disse que ia abandonar você, menino!!! De onde você tira essas coisas???

_ Jura, mãe? Você está falando a verdade?

_ Claro que sim!!! Eu nunca vou abandonar você, Pedro! – Pedro agarrou sua mãe e começou a chorar.

_ E essa história de fazenda ou parque aquático?

_ Eu estava comentando com a Fabiana sobre o que a gente ia fazer no feriado do dia 12 de outubro. Só isso. Agora vem, cá. Vamos enxugar essas lágrimas e entrar no carro. Vamos abastecer e depois eu te levo de volta pra escola.

_ Tá bom, mãe, me desculpe a confusão… – disse Pedro fungando e limpando o rosto molhado de lágrimas.

​Cristina balançou a cabeça e sorriu, pensando: “Mas esse menino me sai com cada uma…”

POR BIA BORGES

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