Co-co-ri-có!!! Co-co-ri-có-có!!!! – de longe se ouvia o canto do galo Bartimeu.
Era uma bela manhã na Fazenda Capim Dourado. O tempo estava fresquinho, quase frio. O sol brilhava alegre e gostoso… Dentro do celeiro, após o café da manhã, os animais conversavam preguiçosamente enquanto faziam a digestão.
_ É, meu amigo! Muito me admira um cavalo forte e experiente como você se deixar ser mandado por uma fêmea. Eu é que nunca vou deixar isso acontecer comigo.
_ Não fale besteira, Bartimeu! A Clarisse não me manda. É que somos casados. Temos um compromisso. Formamos uma família juntos. Ela sabe o que é melhor pra mim e se preocupa comigo. E eu faço o mesmo por ela.
_ Anh, sei. Não manda, é? Então por que você sai correndo quando ela te chama? Você abaixa a cabeça e sai correndo pra atendê-la… parece até um potrinho medroso.
_ Também não é assim. Você está exagerando.
_ Rum! Tá bom, Clemente, vai se iludindo.
A discussão terminou com os dois amigos emburrados, um em cada canto do celeiro. Na porteira da fazenda, um carro branco acabava de entrar.
A porta do carro se abriu e dele desceu uma família até então desconhecida pelos animais daquela fazenda. Um casal e uma filha adolescente, que segurava uma galinha carijó (aquela que tem as penas pretas com pintinhas brancas), linda e imponente feito uma princesa.
A família foi recebida alegremente pelos donos da fazenda e logo em seguida a menina soltou a galinha para dar uma volta e explorar o ambiente.
Bartimeu, que estava em seu canto ainda amargando aquela briga, esqueceu-se de tudo quando colocou os olhos nela. Como em um clássico dorama (aquelas séries coreanas) a galinha parecia andar sem tocar o chão, ela deslizava como uma fada, com suas penas esvoaçantes, agitadas pela brisa que soprava.
Bartimeu, mais do que depressa, saiu do celeiro, passou correndo na frente dela, fingindo não tê-la visto. Se empoleirou na cerca que rodeava o celeiro e, enchendo seus pulmões de ar, soltou o seu canto com todas as suas forças:
_ Co-co-ri-co-co-có!!!!!!! Co-co-ri-co-co-có!!!!!!! Co-co-ri-co-co-có!!!!!!! Co-co-ri-co-co-có!!!!!!!
Passaram-se alguns segundos, ele olhou para a galinha nova, que permanecia impassível, inexpressiva quanto à cantoria do galo.
Bartimeu respirou fundo e tentou mais uma vez:
_ Co-co-ri-co-co-có!!!!!!! Co-co-ri-co-co-có!!!!!!! Co-co-ri-co-co-có!!!!!!!
A galinha passou pela cerca sem nem olhar para Bartimeu e seguiu com sua pompa e elegância, passeando em direção ao campo de flores.
Bartimeu não resistiu e foi ao encontro dela.
_ Olá! Tudo bem, senhorita? Você é nova por aqui?
_ Olá! – disse a galinha enquanto cheirava uma flor.
_ Meu nome é Bartimeu. Sou o galo aqui da fazenda. Ainda não te conheço. Compraram você hoje? Faz tempo que você chegou? Qual o seu nome?
_ Nossa, quantas perguntas. Você é um galo ou um investigador da polícia?
Bartimeu sorriu, sem graça.
_ Me desculpe o mau jeito. É que nunca apareceu aqui na fazenda uma galinha tão linda quanto você. – e dizendo isso, Bartimeu corou de vergonha.
_ E essa cantada funciona com todas? – disse a galinha com ar de arrogância.
_ O quê? Como assim?
_ Nada não. Esquece!
A dona da galinha apareceu chamando:
_ Josephine! Josephine! Venha para a cozinha comer um milho fresquinho!
Josephine foi embora pra dentro da casa, deixando o coração de Bartimeu em pedaços. Sozinho empoleirado em uma árvore, o galo pensava consigo mesmo: “O que será que eu fiz de errado? Por que ela não gosta de mim? Por que será que ela não me deu nem um pingo de atenção?” – suspirava. “Será que é o meu topete? Será que não achou a minha voz forte o suficiente? Será que estou com mau hálito? Por que será que a Josephine não gostou de mim? Por quê? Por quê? Por quê?????” – Bartimeu estava aos prantos.
_ O que foi, meu amigo? – disse o cavalo Clemente – Por que está tão desesperado? Se é por causa da nossa briga hoje cedo, eu já te perdoei!
_ Oh, meu amigo, meu amigão! – Bartimeu se jogou em cima do lombo do cavalo e o abraçou – Muito obrigado por me entender. Eu não mereço um amigo como você. Eu sou um perdedor, um derrotado…. nem sei por que ainda estou vivendo!
_ O que está acontecendo, Bartimeu? Pra que esse drama todo? Estou ficando preocupado! O que fizeram com você?
_ Atiraram uma flecha no meu coração, amigo! Estou ferido, sangrando!
_ O quê? Onde? Deixa eu ver! Vamos correndo chamar o fazendeiro!
_ Não, meu amigo! Para esse tipo de ferimento não há cura.
_ Como não? Para tudo há uma solução. Onde está o ferimento? Deixa eu ver! Não estou vendo sangramento nenhum!
_ Você não vai conseguir ver, meu amigo! O ferimento é na alma! É a minha alma que está sangrando…
_ Ih, não tô entendendo mais nada!
Nesse instante a família da dona de Josephine passou por baixo da árvore em que estava Bartimeu, e Josephine ciscava em um canto, com cara de quem não estava achando nada que a agradasse.
Bartimeu rapidamente parou de chorar e se aprumou todo. Encheu os pulmões de ar, e quando ia soltar seu canto mais estrondoso, Josephine bateu as asas e voou um voo rasteiro e rápido para longe dali. Bartimeu caiu de novo em um pranto inconsolável.
Clemente, que observara atentamente à cena, disparou:
_ Ahhhhh! Agora sim! Estou entendendo tudo, companheiro! Agora eu sei qual foi a flecha que te atingiu. A flecha do cupido, a flecha da paixão. Quem diria, hein? Ainda hoje você era o macho alfa que batia no peito e dizia que nunca iria se apaixonar. Bastaram alguns minutos para o destino lhe pregar em uma peça. Bem-vindo ao meu mundo, meu jovem! O mundo dos apaixonados! – disse Clemente, tocando o próprio peito com a pata dianteira.
_ Pode tripudiar de mim, Clemente. Eu mereço tudo isso que estou passando. Eu nunca imaginei que a paixão fosse me apanhar um dia. E menos ainda, que era tão dolorida assim!
_ Oh, meu amigão! Eu estava só brincando. Você não merece sofrer. Mas, infelizmente, o amor é assim. Às vezes nos deixa voando nas nuvens. Outra hora nos derruba no chão, sem dó. Porém, agora você vai me entender melhor. Não é que as fêmeas mandam em nós. É que quando amamos, nós fazemos de tudo para agradar aquela pessoa. Às vezes queremos até mudar alguma coisa em nós para agradar à pessoa amada.
_ Mudar alguma coisa em mim??? Ah, não! Isso nunca. Agora você foi longe demais! Nunca na minha vida que eu vou mudar alguma coisa em mim pra agradar os outros. Eu sou assim e pronto. Se a Josephine gostar de mim assim, bem. Se não gostar, amém. Rum! Capaz que eu vou mudar por causa de fêmea. Mas é nunca!
_ Tá bom, meu jovem! – disse Clemente sorrindo – está tudo bem. Não vamos brigar novamente. A vida ainda vai te ensinar muitas coisas!
Os dias se passaram e durante aquele fim de semana, Bartimeu e Josephine foram se aproximando. Passavam horas e horas juntos, passeando pela fazenda, ciscando em busca das minhocas mais gordinhas, comendo milho fresco e brincando de pique-pega. Mas era sempre ele correndo atrás dela. Ela se fazendo de difícil e ele, o eterno apaixonado. Chegou a hora da família retornar pra casa e também a hora do novo casal se despedir. Trocaram promessas de esperar um pelo outro até o dia de se encontrarem novamente.
O carro branco partiu e Bartimeu ficou acenando em cima da porteira. Assim que o carro sumiu na curva da estrada, as lágrimas rolaram livremente pelo seu rosto. Ele já tinha se segurado tempo demais.
Clemente assistia a tudo de longe, se divertindo e se comovendo ao mesmo tempo. Era a primeira vez que Bartimeu amava alguém. Como um pai que observa seu filho amadurecendo, Clemente torcia para que o amigo ficasse bem.
Mais tarde naquele dia, Bartimeu subiu no telhado do celeiro, encheu seus pulmões de ar e cantou, bem alto:
_ Ki-ki-ri-ki, Ki-kiiiiii!!!!! Ki-ki-ri-ki, Ki-kiiiiii!!!!! Ki-ki-ri-ki, Ki-kiiiiii!!!!!
Clemente se assustou com aquela mudança no repertório musical do galo.
_ Ki-ki-ri-ki, Ki-kiiiiii????? Mas que canto diferente é esse, Bartimeu? Está tudo bem com você?
_ Sim, amigo. Está tudo ótimo! Estou só ensaiando meu canto novo. Bem mais bonito que o outro, né? Aquele estava muito ultrapassado.
_ Anh? Ultrapassado? Quem disse isso?
_ A Josephine. Ela falou pra mim que lá na fazenda dela a última moda agora é essa. É o “cocoricado” mais famoso por lá. Ou melhor, é o “kikiricado” mais famoso por lá. Só os galos mais “descolados” sabem cantar o “kikiriki”.
_ Ah, tá – disse Clemente, tentando segurar o riso – é muito diferente mesmo! Continue praticando. Está ficando bom!
_ Jura?
_ Juro.
O galo Bartimeu seguiu praticando seu novo canto, todo orgulhoso e feliz. Do outro lado da fazenda, Clemente contava para a Clarisse as notícias do novo casal apaixonado. “Ah, o amor!”…
Por Bia Borges
